segunda-feira, 23 de julho de 2007

Terno preto

Dia bonito de sol e ele estava morrendo de calor com seu terno preto. Em meio a comoção geral, uma pergunta 'boba' lhe veio à mente: "por que em todos os filmes, chove nos velórios?". Solitário, ali em pé, diante das pessoas, aquela idéia não saia da sua cabeça. Ele tentou lembrar de alguma cena 'rodada em Hollywood' de enterro sem chuva. Em vão.
Passou a mão nos cabelos, como quem quer expulsar aqueles pensamentos. Foi quando notou que poucas pessoas estavam vestidas de preto. Mudança de hábito, ou era apenas para afugentar o calor? Os óculos escuros estavam sempre presentes - mesmo nos filmes 'com chuva' - devem ser para esconder as lágrimas, ou a ausência delas.
Há tempos ele não visitava sua cidade natal. Não que isso lhe trouxesse algum sentimento nostálgico, ou coisa assim. Mas estava hora de um contato com suas 'bases', já visando o próximo pleito eleitoral.
Ali mesmo, havia começado sua carreira política. Lembranças começam a vir à tona. Como se elegeu vereador, quando comprou um pequeno equipamento que fazia sorvete instantâneo para distribuir gratuitamente para a garotada em eventos públicos. Claro que não foi só isso, mas este foi o seu start.
O carisma no corpo-a-corpo com os eleitores, lhe deu uma votação expressiva. Em seu primeiro mandato, foi presidente da Câmara, no segundo biênio. No pleito seguinte se elegeu vice-prefeito. Faltando um ano para acabar o mandato, assumiu a cadeira de chefe do executivo, devido à morte do prefeito. Venceu a reeleição. Nos quatro anos seguintes, liderou um grupo de prefeitos.
Com a bandeira de reivindicar mais verbas para os pequenos municípios, ele conseguiu o apoio necessário para buscar uma vaga no Legislativo estadual. Onde ocupa uma cadeira pela primeira vez.
Seu primeiro projeto lei realmente visava mais recursos para seus parceiros prefeitos. Porém, como sempre, a custa do sacrifício da classe trabalhadora.
A sua proposta de reajuste de algumas tarifas públicas, claro, não foi bem aceita pelo eleitorado. Mas, seu assessor de imprensa insistia em dizer: "tudo vai ser revertido em melhoria dos serviços público".
Claro que não foi!
Um súbito acesso de choro coletivo interrompe sua 'viagem' e ele volta a pensar no velório onde está naquele momento, sem entender o porque. "O que eu estou fazendo aqui?", perguntou para si mesmo. Em tempos de campanha para vereador, fazia sentido ir a todo e qualquer velório, só para arrecadar uns votinhos. Mas agora, os tempos são outros. "Ah, sim. O morto!" Exclamou, quase que falando sozinho. O defunto, ali no caixão, era o motivo real dele estar no velório. Estranho? Não. Essa era uma das poucas vezes em que ele esteve em um velório por consideração ao falecido ou a sua família.
Enterrado! Hora de ir embora. O motorista o esperava no carro oficial. Uma voz, sofrida, agradece: "obrigado, por vir ao velório do seu tio, ele gostava muito de você". Ele deu com os ombros, entrou no carro e seguiu com sua vida.

(Artigo meu publicado na Gazeta, edição do dia 14 de julho de 2007)

Nenhum comentário: