Antonio Brasileiro
Cleber Octaviano
Cinco e meia da manhã. Sem ânimo para começar o dia, Antonio pula da cama. Na cozinha, Maria está com o café pronto e já adianta o almoço dos filhos, antes de sair para o trabalho.
No rádio, caindo aos pedaços, a estação AM repete a mesma moda há 30 anos.
Marido e mulher não conversam entre si. As mais de duas décadas de convivência na mesma casa criaram uma comunicação própria entre os dois. Apenas ao dirigir o olhar a Antonio, Maria já sabia o que ele queria.
A esposa, que aparenta bem mais idade do realmente tinha, quebra o silêncio para contar que o filho mais velho decidiu abandonar o “ginásio” para ficar “só no serviço”. O pai deu com os ombros. Um breve resmungo pode ser vertido como: “é bom, assim ele me ajuda com as despesas”.
Maria também disse que tava preocupada com “a do meio”, que já tinha “ficado mocinha”. Antonio franziu a testa e coçou a cabeça. Só então o marido, criado “a moda antiga” pronunciou suas primeiras palavras do dia: “essa menina que não tenha juízo que ela vai ver!”. O tom de ameaça foi apenas para afastar de si o peso da responsabilidade pela educação da menina. Afinal, Antonio mal teve instrução para si mesmo, quanto mais para preparar seus filhos para a vida.
Maria ameaça continuar. Sem tirar a boca da caneca de café, Antonio olha para ela com reprovação. “Lá vem você com mais uma”, pensou sem falar. Mas a mulher não se intimidou e emendou: “o pequeno ainda não conseguiu falar”. Com 8 anos de idade, o caçula apresenta problemas sérios de desenvolvimento, fruto de uma gestação sem acompanhamento e um parto complicado no hospital público. “A professora falou que vai precisar de uma tar de educação especial. O que ela quis dizer?”, indagou a mãe preocupada. Ainda mais ríspido, Antonio respondeu: “Que nosso filho é retardado!”.
O locutor interrompe uma série de músicas para dar as “últimas” notícias. O rádio e a TV eram os únicos acessos da família a informação. Mesmo assim, ninguém dava muita atenção, afinal, ambos também eram as suas únicas fontes entretenimento.
As notas rápidas, lidas na edição matutina do “diário da capital”, eram sobre a renúncia de última hora do senador acusado de corrupção, para evitar a perda dos direitos políticos. O locutor despreparado também leu sobre as manobras do presidente do Senado para desviar a atenção do público das denúncias sobre ele.
“Agora o noticiário local”, diz o locutor, entonando a voz. “O corpo do adolescente, desaparecido há três dias, foi encontrado hoje às margens do córrego...”. Maria e Antonio pensaram a mesma coisa: que esse desafortunado, que teve sua vida ceifada por traficantes, poderia ser um de seus filhos. “Nossa, ele tem a mesma idade do Toninho!”, exclamou Maria, resumindo o que ambos tinham em mente.
Às 6 horas, a velha Kombi buzinou em frente da casa e Antonio juntou-se a seus companheiros, rumo a “obra”. O trabalhador, que deixou o norte de Minas Gerais para trabalhar no corte da cana-de-açúcar no interior de São Paulo, não sabe o que significa férias, 13º salário, FGTS, INSS etc.
Maria acordou as “crianças” para tomar café e já se despediu. Na direção do ponto de ônibus, pensava como seria mais um dia em sua vida...
P.S. – A história acima é fictícia, mas qualquer semelhança com fator reais (certamente) não é coincidência.
(Artigo publicado na edição de Sábado, 7 de julho, da Gazeta de Santa Rita)
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